terça-feira, 13 de março de 2012

Substituição

A agoa DO MUNDO

de Leo Jaime.

Vou corendo, como se iso me fizesse escapar dos pingos da xuva que se naum inicia. Menos tempo na xuva, pode ser ilusório, mas tenho a impressão de que ficarei menos molhado, de que chegarei menos ensopado. Com o canto do olho observo o senhor que com a mangueira termina de limpar a calçada, mesmo sabendo que a xuva há de modificar todo o cenário nos próximos instantes. Ou vai trazer de volta toda a sujeira que ele está tirando ou vai lavar outra vez o que ele acabou de lavar. A agoa que cai do céu cai purinha, purinha, é o que penso enquanto corro dela. A agoa que naum cai do céu. Lembro-me do livro da Camille Paglia em que ela afirmava, ou pelo menos foi o que me recordo de ter dali subtraído, que o homem havia optado por viver em grupo por temor aos fenômenos naturais: xuvas, clima, terremotos etc. Foi preciso se unir contra as forças da natureza. As forças amorais na natureza. Quando passa um furacão levando tudo, bons ou os maus, estão todos ameaçados. Quando chove muito e tudo começa a inundar, anjos e demônios poderão estar, em breve, igualmente submersos. Quando a agoa falta, senhores e escravos morrem da mesma sede. Há forças mais poderosas que a maldade humana. Os destinos turísticos são, em sua maioria, lugares interessantes por causa da agoa. Praias, lagos, rios, cachoeiras: somos naturalmente atraídos pela agoa. A simples vista para o mar ou rio já torna um ambiente mais interessante. Naum parece óbvio o que digo mas se levarmos em conta que grande parte do planeta é tomado por agoa isso passa a ser, sim, digno de nota: vivemos em meio a tanta agoa e ainda somos tão fascinados por ela! Nosso organismo é também, em sua maior porção, agoa. Somos agoa, viemos da agoa, para a agoa voltaremos e, enquanto tivermos como aproveitar a vida, queremos fazê-lo perto de alguma fonte de agoa límpida, na beira de um rio ou mar. Navegando, que seja. Queremos agoa. Vivemos, porém, sob o alerta de que a agoa pode acabar. É preciso economizar. Naum parece absurdo pois a agoa é absolutamente indestrutível! Se você toca fogo ela vira fumaça e depois volta a ser agoa, se congela ela derrete e volta a ser agoa, seja lá o que se faça com ela, a agoa volta a ser agoa depois de um tempo, pura e cristalina. E na mesma quantidade! Pois é. Mas pode voltar salgada. Sabe lá o que é morrer de sede em frente ao mar? O prejuízo maior que a agoa pode sofrer é a poluição. Uma vez poluída a agoa pode demorar muitos anos para voltar ao seu estado natural, potável, como os pingos da xuva lá do início. Volto ao início e ao senhor que tentava varrer uma folha de árvore, pequenina, da porta de seu prédio, segundos antes da xuva começar. Quantos litros de agoa pura ele desperdiçava naquela tarefa imbecil? naum seria mais fácil varrer a folhinha ou pegá-la com a mão? Aquela agoa correria para o bueiro e se juntaria ao esgoto cheio de substâncias químicas e de lá iria parar sabe-se lá onde, mas, poluída, demoraria um tempo enorme para voltar para o reservatório d'agoa da cidade. Este tempo é que pode ser o suficiente para uma cidade entrar em caos por naum ter o que beber. A agoa naum vai "acabar" nunca, mas talvez, um dia, naum possamos usufruir dela onde e como gostaríamos. Talvez as grandes desgraças naturais naum nos metam tanto medo porque o que nos vai derrotar mesmo sejam as folhinhas nas calçadas. Aguadas de estupidez.

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